Quando se fala de rock progressivo italiano, os fãs enchem a boca para louvar a prolífica cena que lá se desenvolveu na década de 70 e o quanto a renovação do estilo nos dias de hoje também passa, obrigatoriamente, pela quantidade e qualidade do prog vindo de lá. Nesse texto, contudo, vamos abordar um curioso aspecto do rock progressivo italiano dos anos 70 – porquê tantas bandas excelentes gravaram apenas um único disco (ou no máximo dois) e desapareceram do mapa.    

Curiosamente, a cena musical italiana era bastante parecida com a brasileira (!), guardada as devidas proporções quando se compara um país sulamericano com um país europeu. Na Itália florescia, desde a década de 1950, um movimento de música popular que não era nem algo vindo da linhagem da música folclórica, nem da música de câmara (óperas e sinfonias). A música pop italiana (italo pop), ainda que tivesse influências dessas duas heranças históricas, criou uma identidade que se comunicava com a juventude urbana do país e se alinhava com movimentos similares que aconteciam na França (Chanson) e na Alemanha (Schlager). Artistas de muito sucesso, não só nacional mas internacional, como Rita Pavone, Nico Fidenco, Gigliola Cinquenti, Massimo Ranieri, Iva Zanichi, dentre outros, disputavam as preferências de jovens e adultos nas paradas das rádios e nos festivais, dos quais o mais famoso era o Festival de San Remo. O leitor atento já percebe a semelhança com o que acontecia no Brasil, com o desenvolvimento da MPB e a chamada “era dos festivais”.

Na metade dos anos 60, a influência do rock inglês (British Invasion) fez com que a atenção dada a esses artistas fosse dividida ou superada por Beatles, Kinks, Who, Herman’s Hermits, Dave Clark Five, Monkees, Rolling Stones, etc. Para não ficar pra trás, esses artistas começaram a incorporar algo de rock (em geral uma leve influência), e grupos como Equipe 84, Dik Dik, I Giganti, Nomadi, dentre outros, trouxeram o rock para dentro da cena pop italiana. Assim como no Brasil, a música popular italiana passou a ser palco de disputas políticas em maior ou menor intensidade, com facções do público “exigindo” determinados posicionamentos de artistas e bandas. Novos compositores e intérpretes passaram a captar esses anseios e traduzi-los com uma forte inspiração literária. Em suma – ainda que o rock inglês e americano tivesse grande aceitação pela juventude italiana, a música popular italiana mantinha-se muito forte e atraente.      

O desenvolvimento do rock italiano, assim como o brasileiro, se deu em um ambiente de muita desconfiança. Havia os críticos que o consideravam um pastiche do rock inglês; os descrentes duvidavam da capacidade do rock italiano igualar ou superar o rock vindo de fora, e os militantes políticos consideravam o rock um estilo alienante. A indústria fonográfica local dividia-se também entre esses questionamentos. Equilibrar as tendências era uma tarefa árdua – era preciso ser musicalmente habilidoso, artisticamente ousado, ter uma boa infraestrutura e ainda pagar pedágio conceitual para as chamadas “elites intelectuais”. Na virada dos anos 60 para os 70, a nova geração de bandas inglesas atraiu grande interesse de universitários e estudantes de música. Na virada da década, grupos como Emerson, Lake & Palmer, Focus, Pink Floyd, Yes, King Crimson, Curved Air, Jethro Tull e Van der Graaf Generator, eram, no mínimo tão ou mais conhecidos na Itália do que em seus país de origem. O Van der Graaf Generator, por exemplo, teve uma das maiores plateias de toda a sua carreira justamente na Itália, no Festival Villa Pamphili, em 1972. O ELP tocou em grandes ginásios e estádios no país, entre outros exemplos possíveis. A tradição italiana em música erudita também fez com que o chamado “rock progressivo sinfônico” fosse muito aclamado no país.

O que torna peculiar o assunto em tela é que um número surpreendente de apreciadores de rock progressivo italiano ou fosse músico ou passasse a se interessar por algum instrumento musical. O rock progressivo na Itália poderia ser chamado, em certo grau, de “música para músicos”. Então, ao longo da década de 70, um número muito grande de jovens se aventurou a tentar formar uma banda, de inspiração progressiva, e lutar por um lugar ao sol. Uma fatia bastante considerável do público de rock progressivo era também músico de rock progressivo. Sendo assim, é natural pensar que em um cenário tão concorrido, interna e externamente, poucos sobreviveriam. Outra diferença é que mesmo em um cenário de intensa disputa, muitas gravadoras (grandes, subsidiárias de grandes grupos, ou pequenos selos) decidiram apostar no formato, que era dominado majoritariamente por álbuns. O rock progressivo era, sim, um filão comercial atraente em venda de álbuns e shows (já tratamos disso em outro texto neste blog, leia aqui). Uma dificuldade intrínseca do estilo progressivo era ser caracterizado por músicas longas e com estrutura pouco convencional, o que afastava a possibilidade de lançamentos de compactos e veiculação em rádios. O potencial comercial do progressivo já era afetado logo de largada, mas mesmo assim, muito material foi lançado no período entre 1972 e 1976. Foram quatro anos de intensa atividade musical na Itália.

Algumas poucas bandas italianas conseguiram atingir um mínimo de reconhecimento, ou sucesso consistente no estilo progressivo dentro e fora de seus muros. Enquanto as mais famosas da terra da bota e com carreiras mais consistentes ficam em torno de uma dezena – PFM, Banco del Mutuo Soccorso, Le Orme, Osanna, New Trolls, Perigeo, Goblin, The Trip, Formula 3, Jumbo, Delirium, Area, Nuova Idea – as que gravaram um único disco (ou no máximo dois) e logo terminaram se acumulam em um número bem maior – Museo Rosenbach, Metamorfosi, L’Uovo di Colombo, Maxophone, Etna, Uno, Cervello, Campo di Marte, Locanda dele Fatte, Celeste, Biglieto per L’Inferno, Semiramis, Alphataurus, Cherry Five, Oliver, Apoteosi, De de Lind, Dedalus, Festa Mobile, La Corte dei Miracoli, Capitolo 6, Capsicum Red, Exploit, La famiglia degli Ortega, Racomandatta Ricevuto Ritorno, Realle Academia di Musica, Era di Acquario, Panna Freda, Apoteosi, Gli Alluminogeni, Cittá Frontale, Ricordi d’Infanzia, Triade, etc. (as listas não são exaustivas).

Com esse enorme número de bandas é indiscutível mencionar que a Itália foi de fato um celeiro de rock progressivo. Mas também é fácil perceber que seria realmente muito difícil, na década de 70, haver espaço para tantas bandas em um país relativamente pequeno (vale lembrar que a grande maioria dessas bandas cantava na língua local), em um contexto de competição com bandas geniais vindas da Inglaterra e dos EUA, e com uma música pop local bastante forte.  


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