2020 é um ano que não ficará bem na lembrança de muita gente. Mas não podemos dizer o mesmo a respeito dos lançamentos musicais deste ano, que sim, ofertaram muita coisa boa. Ainda que a música ao vivo tenha sofrido um baque sem precedentes, dentro dos estúdios muitas bandas capricharam e deram seu melhor para tingir de boas vibrações a inescapável realidade desse ano.

Acompanhar lançamentos não é uma tarefa fácil, dado o volume de itens lançados todos os dias. Ainda que o recorte de estilos e preferências seja estreito, há música sendo produzida o tempo todo ao redor do mundo. Então, é natural a sensação de ser soterrado pela extensa quantidade de material ofertado. Esse texto tem o mero objetivo de dar uma pincelada no que tomamos conhecimento e ajudar o leitor/ouvinte em sua curadoria particular.

Ao menos quatro lançamentos de 2020 já foram resenhados aqui em nosso site e os quatro valem a pena serem conferidos – Arabs in Aspic, Swapper’s Eleven, Alfa Serenar e Siena Root. Um dos lançamentos mais aguardados foi o novo disco do Wobbler, banda norueguesa que vem sendo celebrada como uma das maiores referências em rock progressivo da escola setentista na atualidade. Sucedendo seu álbum de 2017 (From Silence to Somewhere), em outubro foi lançado Dwellers of the Deep, que mantém o elevado nível de excelência da banda, com uma cativante fórmula de virtuosismo instrumental. Também da Noruega, o Motorpsycho é um grupo veterano que tem se destacado por lançar bons álbuns a cada ano, abraçando o rock progressivo com cada vez mais firmeza. Em 2020 não foi diferente e The All is One soma-se a outros ousados e excelentes álbuns do catálogo da banda. Ainda no gelado país nórdico tivemos outros três lançamentos prog – o novo álbum do Airbag, chamado de A Day at the Beach, que ainda conserve a capacidade de construir belas melodias e texturas à lá Pink Floyd, tem se aproximado do pop e os faz soar incomodamente como um grupo de indie rock. O Gazpacho, por sua vez, adota uma linha tão atmosférica quanto o Airbag mas é bem mais assertivo; o novo álbum, Fireworker, é primoroso. Outro lançamento notável de lá é o segundo álbum do Ring Van Mobius, um agrupamento que não esconde suas pretensões retrô. O amadurecimento do grupo é visível, ainda que seu som soe bastante clichê (porém muito divertido) para quem conhece bem o rock dos anos 70.

Por falar em bandas prolíficas, outro grande destaque é o pessoal do Samurai of Prog, um projeto que envolve músicos de diversas partes do mundo, formado a partir de um duo baseado em Helsinki, Finlândia – Marco Bernard e Kimmo Pörsti. Os caras lançaram nada menos que 3 (!) discos nesse ano, dois sob a alcunha do Samurai of Prog – The Demise of the Third King’s Empire e Beyond the Wardrobe – e outro como duo, chamado de Gulliver. Todos os três valem a pena ser conferidos, já que a dupla costuma se cercar de excelentes músicos do cenário atual e também figuras de peso de outras eras do estilo.

O norte da Europa tem sido um verdadeiro celeiro de rock de qualidade. Um dos melhores trabalhos do ano vem da Suécia, o projeto Gungfly, de Rikard Sjoblom (ex-membro do Beardfish). O álbum Alone Together é empolgante, riquíssimo em musicalidade e com uma sonoridade encantadora. Tem o dinamismo e o virtuosismo que todo fã prog aprecia. Ainda na Suécia, o Hallas, grupo hard-progressivo lançou um novo trabalho, que soa um pouco cafona e  não tão impressivo quanto o primeiro álbum, ainda que tenha bons momentos. Na praia do rock psicodélico e kraut-rock, quem fez bonito em 2020 foram os dinamarqueses do Causa Sui, que lançaram o chapadíssimo Szabodelico, um álbum transcendental e muito caprichado.  

Continuando na Europa, outros destaques são o álbum ao vivo (duplo) do Big Big Train, chamado Empire e lançado nessa semana, com excelente qualidade de gravação e performance irretocável. O The Tangent, outro grupo inglês, trouxe um novo trabalho (Auto Reconnaissance) mantendo a linha fusion/jazz-rock dos trabalhos anteriores. Ainda que o disco tenha uma sonoridade interessante e boas ideias, derrapadas nas batidas eletrônicas jogam o resultado para baixo. Na Itália, uma das novidades mais suculentas é o novo álbum do La Maschera di Cera – S.E.I – contendo apenas três longas e poderosas faixas, do melhor progressivo sinfônico que os italianos sabem como oferecer. Já nos EUA, os veteranos do Ozric Tentacles trazem mais um conjunto de excelentes peças space-rock em seu novo álbum Space for the Earth, como uma atualização muito original do som do Gong e de Steve Hillage. Também merece menção o novo álbum solo do tecladista Derek Sherinian, ex-Dream Theather, que deve agradar fãs de metal-progressivo e de virtuoses, virando do avesso seus teclados repletos de distorção. Já no Brasil, um dos principais destaques é o novo álbum do tecladista gaúcho Eloy Fritsch, bastante reconhecido na praia do progressivo eletrônico, mas que surgiu com um trabalho mais orientado ao jazz-fusion no álbum Moment in Paradise. A faixa High Places Pt. 2 é simplesmente viciante e Eloy está em incrível forma nesse trabalho.  

Veteranos do rock progressivo e afins também colocaram novos trabalhos na praça que não podem passar ilesos dos ouvintes. 2020 viu o surgimento de novos álbuns do Kansas (The Absence of Presence), Nektar (The Other Side), Flower Kings (Islands), Neal Morse (Sola Gratia), Rick Wakeman (The Red Planet), Steve Howe (Love Is) e Deep Purple (Whoosh). Ainda que nosso padrão auditivo possa ser muito elevado ao julgar obras desses senhores que já nos brindaram com tanta música genial, trata-se discos de qualidade (maior ou menor). Ainda não alcancem a estatura de clássicos, são álbuns dignos da carreira meritória desses artistas.  


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