A região Norte do Brasil, apesar das dimensões continentais de sua área, concentra uma fração pequena da população total do país (15,8% do Brasil). Em termos de produção musical, até então essa proporção numérica se mantinha entre a quantia de grupos e lançamentos daquela área e o de regiões mais populosas. O Pará adquiriu certa notoriedade nos anos recentes no mapa nacional com as linguagens mais pop de sua música típica. No entanto, esse texto vem destacar três grupos que vem jogando por terra esse panorama, levantando dignamente a bandeira do rock progressivo nas nossas terras setentrionais.

Vindos da capital paraense, o grupo Ultranova vem sacudindo a cena brasileira de rock progressivo. Formado em 2012 pelos primos Daniel Leite (guitarra) e Thiago Albuquerque (teclados), a banda se consolidou a partir do encontro com Henrique Penna (bateria) e Mario Neto (baixo). O baixista Mario Neto seria substituído posteriormente por Príamo Brandão, completando o line-up atual do grupo. A estreia do Ultranova ocorreu em um festival local, em 2013 e de lá para cá, participaram de eventos importantes na região, dividindo palco com artistas como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Sebastião Tapajós e a banda progressiva Violeta de Outono.

Em maio de 2017 a estreia do Ultranova, intitulada Orion, foi lançada pelo conceituado selo Rock Symphony. Em parceria com a Rock Symphony, o selo francês Musea (que tem em seu cast inúmeros trabalhos clássicos e contemporâneos de rock progressivo) se encarregou de distribuí-los pela Europa. A atenção que a banda tem gerado no público do estilo não é a toa. Orion foi lançado numa caprichosa embalagem digipack pelos membros da banda e traz em seu conteúdo música de alto nível. O disco abre com a faixa Órbita e já nesta faixa destaca-se a mais forte característica do grupo – as músicas se desenvolvem gradativamente e com grande funcionalidade. As transições entre as diversas partes das canções são fluidas, os arranjos são cuidadosos, os timbres tem assinatura própria e são bastante propícios ao estilo. A banda imprime uma dinâmica firme e segura, evitando demonstrações estéreis de virtuosismo. O instrumental trabalha todo a favor da música, de modo a fortalecer a composição. O álbum segue com Abismo Azul, uma balada etérea com belíssima harmonia, que remonta aos melhores momentos do progressivo brasileiro da década de 70; Aquântica, conduzida pela bateria e pela guitarra, já tem um toque mais contemporâneo e riffs fortes de sintetizador; Chronos é a faixa onde a guitarra tem mais destaque, com solos faiscantes e belas convenções junto com a bateria de Henrique Penna e o baixo de Mario Neto. A longa Orion, com mais de 13 minutos, fecha o álbum (foi a única faixa gravada pelo atual baixista Príamo Brandão). A faixa desenrola-se vagarosamente a partir de um belo tema de piano e guitarra , até chegar a um groove poderoso, no qual guitarra e sintetizadores abusam de seus méritos, até arremataram-se em um final dramático. Enfim, um dos mais significativos lançamentos progressivos do ano de 2017 de todo o Brasil. Já em 2019, o grupo lançou um compacto – a faixa Samsara – como prévia de um novo álbum, indo na direção de um jazz-rock bastante melódico e inventivo.

Indo para Porto Velho, Rondônia, nos deparamos com a bela surpresa musical que atende pelo nome de Prognoise. Formado em 2012, a banda conta com o guitarrista e vocalista Zeno Germano, o também guitarrista Victor Salles, o baixista Alessandro Amorim, e também Ícaro Dickow na bateria e Anderson Benvindo nos teclados. Em 2015, o grupo lançou um primeiro EP de forma independente, batizado de Esquizóide. A maturidade foi sendo alcançada até culminar no lançamento do primeiro álbum completo do grupo, Solar, lançado em 2018 em parceria com o selo fluminense Masque Records.

O álbum abre com dois belíssimos momentos – a faixa Especulações Gravitacionais, e suas dezenas de cordas flutuantes, e a mágica introdução de Hanging Garden, com uma marcante presença de violino. A faixa desdobra-se por vários minutos até adquirir contornos mais distorcidos a partir dos 8 minutos, no qual solos contundentes de guitarra e um andamento cadenciado oferecem aquela riqueza musical esperada pelos fãs do estilo. A partir dos 10 minutos, a suíte torna-se surpreendente e adquire um caráter mais experimental, retornando em seguida ao núcleo melódico inicial. Já Incandescente, a faixa seguinte, tem um começo frenético até desaguar em uma reflexiva balada. Assim, como a faixa anterior, Incandescente também é longa e cheia de boas surpresas, com ótimo entrelaçamento entre diversos fragmentos, alternando-se entre passagens tranqüilas e densas. Insolação também tem estrutura de suíte, na qual se destaca o trecho central, com o belo trabalho do baixo por sob uma base de violões, e um eficiente solo de sintetizadores no fim da canção. O álbum fecha com um apreciável clima folk em Singular, que também conta com vocais femininos. O grupo tem ótimos instrumentistas, é cheio de boas idéias e se baseia nas melhores referências do estilo.

Também vem obtendo destaque no Pará o grupo Lótus Áurea, adotando uma direção mais psicodélica e pesada com muito a dizer. Mesmo contando com uma estrutura ainda modesta de produção, a banda lançou um primeiro álbum em 2018, chamado Principia, no qual pode apresentar a um público mais amplo grande variedade de influências que seu som possui e as múltiplas abordagens que cabem no escopo de sua música. Destacam-se as experimentais faixas Cosmos e Circus e a viajante Jornada Quod. Contando com Daniel Avelar, Matheus Gabriel, Fause Pereira e Pedro, a Lótus Áurea é certamente um grupo de enorme potencial.

Quem acompanha essas bandas nas redes sociais percebe que os 3 grupos se apresentam com freqüência e mantém uma agenda de atividades regulares, o que por si só já é um diferencial no cenário progressivo brasileiro das duas décadas anteriores, no qual os grupos permaneciam em longos hiatos, com lançamentos muito espaçados e shows apenas ocasionais. O Prognoise e o Ultranova cruzarão as divisas da região Norte e se apresentarão pela primeira vez no Rio de Janeiro dentro da programação do CaRIOca ProgFestival 2019, respectivamente nos dias 19 e 26 de setembro no Centro da Música Carioca Artur da Távola (Rua Conde de Bonfim, 824, Tijuca, Rio de Janeiro – RJ), as 20 h. Trarão a energia e o talento daquelas terras em oportunidade única para deleite do público carioca.


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