Ao contrário da maioria dos jovens da época, o guitarrista Steve Hillage tinha abandonado a banda Uriel (que lançou um único álbum com o nome de Arzachel) em 1969 para continuar seus estudos na Universidade de Kent. Mas mesmo durante os estudos, Hillage continuou compondo e no fim de 1970 retornou à Londres disposto a iniciar um novo projeto musical. O primeiro recrutado para tal foi o baixista e vocalista Nick Greenwood (ex-Crazy World of Arthur Brown). Nick Greenwood convidou outros dois amigos para fechar o time – Eric Peachey (baterista, ex-Dr. K’s Blues Band) e Dick Henningham (tecladista). Hillage tinha uma certa proximidade com os membros do Caravan e através deles conseguiu o apadrinhamento do empresário Terry King e o interesse da Deram pelo trabalho embrionário de sua nova banda, já batizada como Khan.

Quando a banda estava para gravar seu primeiro registro, em novembro de 1971, Dick Henningham pula fora. A saída encontrada por Steve Hillage foi convidar seu antigo parceiro no Uriel, Dave Stewart, para assumir o posto. Stewart havia formado o trio Egg, com outros dois remanescentes do Uriel e já tinha lançado dois álbuns com a banda pela Deram. A participação de Dave Stewart era feita de forma conciliada com os compromissos do Egg; contudo, o processo foi facilitado porque ele já conhecia alguns rascunhos de parte das composições presentes no álbum. Antes de entrar em estúdio e gravar o primeiro disco, a banda já estava com a cara na rua abrindo shows para grupos como Caravan, Steamhammer, Gnidrolog, Atomic Rooster, Gary Wright, Audience, entre outros.

As gravações de Space Shanty, o álbum de estréia do grupo, foram iniciadas em dezembro 1971. A gravação se dividiu entre três dos melhores estúdios londrinos da época – o Olympic Studio, o Command Studios e o Tollington Park (de propriedade do selo Decca, controlador da Deram), cada um deles sob a batuta de um engenheiro de som diferente. Tanto o Command quanto o Tollington Park eram estúdios recém construídos e dispunham de ótima infraestrutura. Os relatos dos próprios envolvidos a respeito do processo de gravação são um pouco desencontrados, e não se sabe ao certo em qual estúdio foi gravado a maior parte do material. Steve tinha uma concepção muito clara de como suas composições deveriam soar, o que trouxe tensão para o processo de gravação. Nick Greenwood tinha queixas de ser tolhido por Hillage e executar integralmente as ideias do guitarrista; já Eric Peachey sentiu a pressão por não ter experiência em estúdio e considerava muito desafiador tocar o complexo material do disco. Hillage, por sua vez, não se satisfazia com o som de sua guitarra e gastou muitas horas fazendo overdubs e se entendendo com efeitos de echo e phaser.

No Tollington Park a engenharia de som ficou a cargo de Derek Varnals e lá foi finalizado quase que na mesma época os álbuns Waterloo Lily do Caravan e Seventh Sojourn dos Moody Blues. Derek Varnals era um engenheiro de som já experiente na ocasião e tinha sido o responsável por todos os principais álbuns do Moody Blues, além de trabalhos com John Mayall & Bluesbreakers, Keef Hartley, East of Eden e Caravan. Tudo isso se reverteu em uma qualidade de som fantástica para o álbum.

Em março as gravações se concluem e apenas em maio de 1972 a Deram coloca no mercado o álbum Space Shanty. O lançamento na Inglaterra foi sucedido também por lançamentos na Alemanha, na França e na Holanda, através de parcerias da Deram com outros selos. A arte que ilustra a capa do álbum foi elaborada pelo artista gráfico David Anstey, com um conceito bem ao sabor da época que ocupava uma embalagem dupla. Anstey era contratado da Decca e ilustrou diversos lançamentos do selo e de suas subsidiárias. Dentre seus mais clássicos trabalhos estão as capas para Days of Future Passed dos Moody Blues, Blue Matter do Savoy Brown, Imagination Lady do Chicken Shack e Moonmadness do Camel.

Em junho, a banda segue para uma tour promocional do disco, contando com o tecladista Val Stevens, que tinha entrado na banda em fevereiro. A banda fez poucas incursões fora da Inglaterra. Em uma delas – um importante festival na Suíça – a noite foi trágica para a banda, já três cordas da guitarra de Steve Hillage arrebentaram logo na primeira música. O tecladista Val Stevens, que era canadense, também estava desconfortável com o equipamento fornecido pelo grupo (apenas uma versão mais simples de um órgão Hammond e um clavinete). Hillage estava amargurado com quase tudo relacionado a banda – o ambiente com os colegas, a falta de dinheiro e reconhecimento na imprensa inglesa, a relação com Terry King e a falta de perspectiva da Deram para futuros trabalhos. Um fim momentâneo é colocado na banda. Em agosto de 1972, após o fim do Egg, Dave Stewart volta a trabalhar com Steve Hillage, já que este preparava um novo material. Nessa altura, o Khan teria ainda mais algum fôlego com Eric Peachey e Nigel Griggs assumindo o baixo. Todo esse vai-e-vem prejudicou muito as coisas para a banda, que dispunha de infraestrutura precária para ensaiar e divulgar o álbum. Ainda assim, a última formação da banda começou a trabalhar em material novo, que viria a ser aproveitado dentro do primeiro disco solo de Steve Hillage, o clássico Fish Rising, lançado 3 anos depois.

O ponto final da banda chega em outubro de 1972, com Steve Hillage aceitando um convite para integrar a Kevin Ayers’ Band. O último show da banda foi realizado em 27 de outubro daquele ano, junto com o Henry Cow. Após breve período, Hillage assume as guitarras do Gong, com quem gravou os clássicos Flyin’ Teapot, Angel’s Egg (ambos de 1973) e You (1974). Nick Greenwood, o baixista da primeira formação, gravou nos EUA seu primeiro (e único) disco solo Cold Cuts. As sessões desse álbum havia ocorrido em 1970, mas somente 2 anos depois o álbum foi lançado. Sem chamar a atenção na época e com uma prensagem pequena, o álbum se tornou um item muito procurado por colecionadores de todo o mundo.

A música contida em Space Shanty é marcada por uma promiscuidade rítmica e por melodias precisamente esculpidas. O disco é tão intenso quanto viajante, com cada um dos instrumentos dividindo o protagonismo do panorama das composições. A banda consegue impressionar tanto pelas mágicas e cerebrais harmonias quanto pela beleza descompromissada de simples acordes palpitados nas cordas de um violão. Há um espectro riquíssimo de sonoridades de teclado (órgão e piano, sem sintetizadores) e guitarra (distorcida e acústica). Os climas e as variações são tão intensos e surpreendentes que formam uma precisa (e muito rara) sinergia, do qual é difícil destacar alguma faixa ou passagem. Em suma – é um disco que sintetiza o auge do rock progressivo dos anos 70. Recentemente, o tecladista Val Stevens divulgou em seu canal no Youtube duas gravações ao vivo do Khan na época, que apesar da baixa qualidade, valem a pena ser conhecidas pelos fãs e interessados pelo som do grupo (veja os links aqui e aqui).

O disco foi relançado em CD no fim dos anos 1980 e posteriormente relançado numa bela edição japonesa no formato “mini-lp”, reproduzindo a arte da prensagem original. Em LP, apesar de não ser rara, uma cópia em bom estado abocanha uma quantia considerável de dinheiro.


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