Vamos para mais um desafio – pinçar dez grandes momentos ao vivo do rock progressivo alemão nos anos 70. O rock progressivo alemão foi bastante fértil nos anos 70, assim como o rock progressivo italiano e o francês. Mas diferentemente das bandas italianas, que tiveram carreiras curtas e marcadas pelo lançamento de apenas um único álbum, as bandas alemãs alcançaram carreiras mais consistentes e longevas. E várias delas gravaram discos ao vivo. Com a expertise técnica que os alemães sempre tiveram em matéria de som, tratam-se de registros de muita qualidade sonora. A maioria das faixas citadas aqui vem de discos da segunda metade dos anos 70, época em que houve uma espécie de “febre” de discos ao vivo no rock em geral.

Lembre-se sempre: em uma lista de apenas 10, há mais coisa fora do que dentro da lista. O resultado está aí para ser comentado e criticado!

10º – Jane – High Time for Crusaders [Live at Home, 1976]

Uma base muito simples de órgão e um ritmo constante é tudo o que o Jane precisa para convencer o ouvinte a embarcar em uma agradável viagem sonora. O solo de guitarra vai crescendo e camadas de teclado adicionais vão envolvendo o ouvinte nesta bela faixa, contida em um disco ao vivo de grande capricho instrumental.

9º – Frumpy – Singing Songs [Live, 1972]

Com clara inspiração do Pink Floyd, essa faixa demonstra todo o talento dos instrumentistas do Frumpy junto com a presença da formidável Inga Rumpf nos vocais. Boa parte da música se assenta sobre dois singelos acordes – a base suave, o violão e órgão fazem a cama perfeita para que a voz forte de Rumpf se espalhe pelos altos falantes. Depois de vários minutos, o ouvinte já está rendido pela qualidade do que ouve e o espaço é aberto para que Jean Kravetz mostre tudo o que sabe, pilotando um poderoso órgão Hammond.

8º – Amon Duul II – Eye Shaking King [Live in London, 1973]

Aqui está representada toda a insanidade do lado psicodélico-vanguardista do rock alemão, o controverso krautrock. A banda começou a chamar a atenção da crítica inglesa, que tinha, simultaneamente, admiradores e detratores ferrenhos. Convites  não demoraram a surgir para que os ingleses pagassem pra ver o que o Amon Duul II tinha a oferecer em termos de acidez sonora. Nesse álbum a banda aparece com toda a crueza de um rock instigante, que não apenas era desprendido de formas pré-concebidas, mas tinha uma carga fortemente original e uma grande qualidade instrumental envolvend aquela loucura toda. A versão de Eye Shaking King desse show é bem diferente da versão de estúdio, cada qual com interessantes peculiaridades – ao vivo, a bateria tem mais cadência e os solos de guitarra são voluptosos e no estúdio predomina um arranjo mais sofisticado. Em ambas o prato está cheio de psicodelia.

7º – Kraan – Sarah Ritt Durch den Schwarzwald [Kraan Live, 1975]

O Kraan tinha uma sequência de bons álbuns de estúdio quando lançou seu primeiro disco ao vivo. Se em estúdio as qualidades das composições desses alemães já eram evidentes, ao vivo eles embalaram essas boas idéias em uma dose extra de groove e velocidade. O disco é tecnicamente perfeito – a instrumentação equilibrada e a nitidez da gravação impressionam os ouvidos mais exigentes. Ao reler uma das faixas instrumentais de seu disco de estréia, o Kraan entrega solos maravilhosos (saxofone e guitarra) e um groove de fazer inveja a qualquer banda latina, com uma interação de primeira grandeza entre baixo, bateria e percussão. 

6º – Hölderlin – Circus [Live Traumstadt, 1978]

É sempre uma ótima sensação quando se encontram discos ao vivo que conseguem superar as (boas) faixas que a banda já registrou em estúdio. A energia de um palco traz um charme adicional para a música. O Hölderlin, além de colocar mais força na execução ao vivo de suas músicas, ainda conseguiu incrementar faixas como Circus, incluindo novas seções instrumentais e depurando certos “exageros” da versão original, mostrando grande amadurecimento. Instrumental refinado e musicalidade rica incrementando boas composições é o que temos ao longo de todo este álbum.  

5º – Novalis – Es Farbt sich die Wiese grun [Konzerte, 1977]

O Novalis é uma das poucas bandas alemãs que optou pela língua nativa em seus discos. Com uma linha sinfônica-viajante, aqui também temos outro exemplo de um álbum captou um peso e uma densidade maior para embalar bons sons já registrados em estúdio. Neste caso, o baixo está mais presente, a bateria mais pesada e os teclados mais agressivos, o que ajuda a contrabalancear todo o lado melódico explorado com esmero pela banda. A faixa em questão está no disco autointitulado, de 1975, e a versão ao vivo, acrescida dessa roupagem mais pesada e dinâmica, supera a versão original. A seção instrumental dessa faixa é embasbacante.

4º – Satin Whale – Desert Places [Whalecome, 1978]  

O páreo aqui é muito duro entre a versão de estúdio e a versão ao vivo. Impressiona o quanto a sonoridade dos instrumentos do Satin Whale é fiel entre estúdio e palco. O lado ao vivo ganha pela maior desenvoltura do baixo e da bateria, que são um pouco mais discretos no estúdio. A faixa, que dá nome ao primeiro e clássico álbum do Satin Whale, é por si, maravilhosa. Algumas diferenças no arranjo também tornam bastante interessante esta versão ao vivo, especialmente na parte vocal, dividida  entre o baixista Thomas Brück e o guitarrista Dieter Roesberg, o que não ocorre na versão de estúdio. Os solos de guitarra da parte final da música também são outro ponto alto dessa poderosa versão.

3º – Birth Control – The Work is Done [Live, 1974]

Mais um caso de versão ao vivo que supera a original. Neste caso em específico, supera com folgas! A faixa original, do disco Operation, de 1971, tem 6 minutos. Aqui ela se transformou num tour-de-force de quase 17 minutos, neste incrível álbum ao vivo de 1974. Quase tudo é diferente na versão ao vivo dessa música, a começar pelo ritmo, mais veloz e acrescido de uma condução reta nos pratos e com a presença de cowbells. Os teclados se alternam entre o Hammond (bastante característico na original) e o piano elétrico. Depois da primeira sessão vocal tudo muda – as convenções são viradas do avesso, solos e mais solos (inclusive de saxofone e bateria) são acrescentados, a dose de virtuosismo é redobrada e tudo é finalizado com uma formidável qualidade instrumental. Sem dúvida um grande momento do rock alemão dos anos 70.

2º – Eloy – The Dance in Doubt and Fear [Live, 1978]

Qualquer faixa do clássico disco ao vivo do Eloy (de 1978) mereceria ser destacada. Minha preferência particular vai para a densa The Dance in Doubt and Fear, na qual o baterista Jürgen Rosenthal faz misérias junto do baixo pesado de Klaus-Peter Matziol e da guitarra cheia de personalidade de Frank Bonnerman. Quando chega a hora do tecladista Detlev Schmidtchen ele não faz feio (muito pelo contrário) – seus solos com sintetizadores na parte final da faixa são arrasadores. A faixa é bem diferente da versão registrada no álbum Dawn, de 1976, e representa mais uma grande viagem sonora, que se soma a outras pérolas do progressivo space-sinfônico que a banda praticava.

1º – Grobschnitt – Muhlheim Special [Solar Music Live, 1978]

Indiscutivelmente, um disco clássico do rock alemão. Um trabalho ousado, do qual também é difícil comentar algo isoladamente. A longa Muhlheim Special tem uma beleza climática única, com a bateria e o baixo marchando na direção do ouvinte e com acréscimos de guitarras e teclados dos mais viajantes que se possa imaginar. Execução perfeita! A dinâmica vai crescendo ao longo da faixa com as guitarras dando um espetáculo a parte.


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