O Gnidrolog, apesar de ter tocado intensamente nos palcos ingleses durante ascenção do rock progressivo como um estilo mais disseminado entre o público jovem, não conseguiu uma projeção proporcional a qualidade de sua música. A história do grupo começa em 1969, em Londres, com os irmãos gêmeos Stewart e Colin Goldring. Ambos eram guitarristas, mas Stewart se especializou mais no instrumento; Colin, por outro lado, migrou para os vocais e a flauta.

Nessa época, eles se uniram ao baterista Nigel Pregum e ao baixista Peter Cowling. Nigel Pregum vinha de uma experiência anterior com o Spice, um dos grupos relacionados com a genealogia do Uriah Heep. Era flautista/oboetista de formação clássica e incorporou esse retrospecto musical no Gnidrolog. Cowling vinha com a experiência no violoncelo. Tudo isso trouxe uma riqueza quase inédita para o Gnidrolog, que tinha em sua receita sonora um cruzamento de rock, blues, folk e música erudita, com o peculiar detalhe da ausência de teclados. O nome do grupo foi formado a partir de um embaralhamento das letras que compõe o sobrenome dos gêmeos – Goldring – acrescido de uma letra “O”. O começo da trajetória dos irmãos Goldring tem relação com o baixista Chris Copping, do Procol Harum. Chegaram a tocar juntos durante breve período e, na casa/estúdio/pub de Copping foi onde os irmãos Goldring gravaram os primeiros rascunhos de suas composições.

Informações detalhadas sobre o grupo são bastante escassas, mas é sabido que pouco tempo depois de formada a banda já estava na praça, tocando frequentemente no circuito de pubs, pequenos teatros e universidades dos arredores de Londres. Dois anos intensos de atividade nos palcos trouxeram um rápido entrosamento e maturidade musical para a banda, que conseguiu no fim de 1971 um contrato com a RCA Victor para o lançamento de seu primeiro álbum. Uma curiosidade interessante é que o vocalista/flautista Colin Goldring participou como músico convidado na gravação do terceiro álbum do Yes – The Yes Album – tocando flauta na primeira faixa do álbum (Your Move/I’ve Seen All Good People).

O disco foi produzido por John Schroeder, que era compositor e arranjador de pop orquestral e produziu muitos artistas pop na década de 60. Na praia do rock, John Schroeder trabalhou com o Man e o Status Quo em início de carreira e também com o obscuro grupo progressivo Steel Mill. A estreia em álbum sairia apenas no ano seguinte, batizada com o nome de “In Spite of Harry’s Toe-Nail”. Concluídas as gravações, o nome do álbum surgiu depois de intensa discussão e falta de consenso entre os membros do grupo. Alguém mencionou algo sobre o pai dos irmãos Goldring, que tinha morrido precocemente em um acidente, em 1967. O Sr. Harry Goldring se opunha a tentativa dos filhos de seguir carreira musical e, no meio da conversa, algum dos membros disse algo parecido com “Se tivesse sobrevivido, o Sr. Harry lhes daria um chute no traseiro e lhes deixaria umas marcas de unhas!”. Alguém replicou: “Bem, apesar das unhas de Harry, qual será o nome do álbum?”. Todos caíram em histérica gargalhada e daí foi definido o nome do álbum.

Pouca projeção em vendas e execuções foram a resposta ao som complexo, ousado e instigante do Gnidrolog. A alternância entre ataques agressivos da guitarra e do baixo, com a candura folk dos violões e flautas temperada pelo vocal expressivo de Colin Goldring, não é prontamente assimilada em uma atenção despretensiosa. O som do Gnidrolog demandava atenção; era música cerebral do início ao fim, ainda que nem sempre fosse sisuda. Há um peculiar senso de humor e ironia em muitas passagens e nas letras das músicas, algo que remetia ao teatro dramático. No geral, o resultado é ácido e não há concessões para o grande público. A crítica, por outro lado, destacava as virtudes e novidades trazidas pelo Gnidrolog em sua estreia.

Esse burburinho sobre o álbum, junto com a reputação que o Gnidrolog já tinha nos palcos, por sua performance marcante e som explosivo, garantiu a participação da banda em um dos maiores festivais ingleses do período – o Great Western Express Festival, ocorrido em Bardney, em maio de 1972. Bardney era uma pequena vila no centro-leste da Inglaterra; os moradores locais não gostaram nada da ideia de uma mega festival acontecendo na sua área e, além disso, maio é época de chuvas intensas e frio na Inglaterra. O roteiro dessa combinação foi o esperado – muita lama, público gigante (cerca de 50 mil pessoas), prejuízos homéricos, falta de suprimentos e muito rock de diferentes matrizes. O line-up do festival incluiu, além do Gnidrolog, nomes de peso como Rory Galagher, Atomic Rooster, Faces, Groundhogs, Humble Pie,  Strawbs, Genesis, Focus, Stone the Crows, Locomotiv GT (!), Nazareth, Roxy Music, Wishbone Ash, e vários outros. O Gnidrolog foi escalado para tocar em um palco alternativo do festival, chamado “Giants of Tomorrow Tend”, destinado a bandas emergentes.

Poucos meses depois do lançamento de seu primeiro álbum e na esteira da exposição ocorrida pelos frequentes shows, o Gnidrolog entra no Morgan Studios em Londres para gravar seu segundo álbum, batizado de Lady Lake. O Gnidrolog tinha se transformado em um quinteto, com o acréscimo de um músico exclusivo para os instrumentos de sopro – John Earle cuidaria dos saxofones e da flauta. Lady Like é menos cru e mais polido que o disco anterior, conectando melhor o Gnidrolog com o prog-folk do Renaissance e dos Strawbs, mas ainda mantendo a veia agressiva e escura de seu som, que o ligava a Van der Graaf Generator, King Crimson e Gentle Giant. Como compositores, os irmãos Goldring também estavam mais afiados, o que tornava o disco um aspirante a clássico do período. O aspecto clássico do trabalho era ainda mais realçado pela icônica capa desenvolvida pelo artista gráfico Bruce Pennington, conhecido pelas ilustrações para capas de livros de ficção científica. Contudo, o ambiente do grupo se deteriorava, a ponto do manager da banda decretar a saída do baterista Nigel Pegrum e do guitarrista Stewart Goldring. Essa celeuma toda ocorreu no meio do processo de gravação de Lady Lake; novos membros foram recrutados às pressas (John Knightsbridge e John Bedson) e eles até figuram nos vocais da última faixa do álbum (Social Embarrassment). O segundo álbum sairia também pela RCA Victor, mas novamente as vendas foram escassas, apesar do impulso dado pela crítica especializada.

Em raras ocasiões o Gnidrolog saiu da Inglaterra, tendo algumas esparsas apresentações na Alemanha ao longo de sua breve trajetória. Talvez a ausência de estrutura de agenciamento e de um bom empresário tornassem as coisas realmente difíceis para a banda atingir uma boa promoção. Os poucos relatos sobre o Gnidrolog dão conta da boa reputação que a banda tinha nos palcos e, felizmente, em 1999 foi lançado um álbum compilando apresentações da banda na Inglaterra na tour de promoção de Lady Like, quando já eram um quinteto contando com os irmãos Goldring. Apesar da qualidade sonora claudicante (trata-se de material de arquivo, gravado da plateia), o material apresentado no álbum Live 1972 é valioso, justamente porque inclui faixas inéditas do período. Apenas três das 7 faixas do álbum são dos álbuns de estúdio (I Could Never Be a Soldier, Time and Space e In Spite of Harry’s Toe-Nail) e é interessante ver que a banda trazia todo seu potencial nos instrumentos de sopro para o palco, além do mesmo dinamismo das canções, muito próximas do tipo de arranjo que a banda desenvolvia no estúdio.   

Com a repercussão tímida e a celeuma causada pelo então empresário do grupo, foram dispensados da RCA Victor e se dissolveram sem grande alarde. Os irmãos Goldring continuaram trabalhando juntos – primeiro como uma dupla (Goldring Brothers) na qual tentaram fazer um tipo de música pop mais swingada e depois formando um grupo que embarcou na onda punk-rock (!), The Pork Dues, com o primeiro disco lançado em 1979. Nigel Pegrum ingressou na banda folk-prog Steeleye Span, onde ficou durante muitos anos. Já Peter Cowling partiu para o som pesado, com a The Flying Hat Band, icônica banda underground britânica que não gravou nada oficial, mas foi o ponto de partida para a carreira do grande guitarrista Glenn Tipton, que faria fama com o Judas Priest. Apenas em 2000 o Gnidrolog se animaria a produzir novo material, na esteira do lançamento do material de arquivo, mas foi um vôo de curta duração.


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