O rock progressivo tem por característica principal uma intensa e variada musicalidade. E uma das formas pela qual isto foi explorado foi o uso de variados instrumentos musicais. Além da tradição formação das bandas de rock a partir dos anos 60 – bateria, baixo e guitarras, o rock progressivo extraiu dos teclados toda uma miríade de sons e texturas que ajudaram a sedimentar sua estética. Mas não só dos teclados. Tendo como influência a música erudita, vários instrumentos orquestrais foram incorporados ao rock progressivo. E neste texto destacaremos um deles, o violino.

A utilização de orquestras e sua fusão com o som de bandas não era exatamente nenhuma novidade no fim da década de 1960. Uma vertente do pop-rock daquela época, chamada por alguns como pop barraco, usou e abusou de arranjos orquestrais. O pop vocal, dos grandes crooners, tinha forte orquestração. Nesta seara, Beatles e Beach Boys deram grandes contribuições, que desembocaram na primeira grande experiência de uma orquestra no rock, o disco Days of Future Passed, dos Moody Blues, de 1967. Neste caso, não apenas os arranjos contavam com uma orquestra completa, mas sim toda a concepção do álbum foi desenvolvida para uma indissociável formação banda + orquestra. Também grupos como Rolling Stones, Left Banke, Small Faces e outros da invasão britânica utilizaram instrumentação orquestral em algum momento de sua discografia pré-1967.

Nos EUA, bandas da costa oeste imersas na cultura psicodélica buscavam inovar na musicalidade do rock e algumas delas acrescentaram instrumentos menos convencionais em suas formações. Falando especificamente do violino, em 1967 o grupo californiano It’s a Beatiful Day se formava tendo o violinista e vocalista David LaFlamme como frontman. Em 1970 a prestigiada banda Jefferson Airplane incorporou o veterano violinista Papa John Creach em sua formação. Em Chicago, o grupo The Flock contava com o violinista Jerry Goodman (futuro Mahavishnu Orchestra) como membro fixo desde 1968. O primeiro disco solo de Frank Zappa (sem os Mothers of Invention), Hot Rats de 1969, contou com a participação de dois reconhecidos violinistas – o francês Jean Luc-Ponty e o americano Sugarcane Harris. Vale ressaltar que o violino já era um instrumento bem comum na música country tradicional americana e sua presença fora do ambiente orquestral era vista com muita naturalidade nos EUA. Na virada da década a Mahavishnu Orchestra foi a banda que marcou fortemente a presença do violino no rock, com os solos alucinantes de Jerry Goodman duelando com a guitarra de John McLaughin e os teclados de Jan Hammer.

 

 

Na Inglaterra, o Family tinha participação eventual do violino tocado pelo baixista Rick Grech desde sua formação em 1967. Já a formação do Curved Air em 1969 colocava o violino na linha de frente de um grupo prog, com o virtuoso Darryl Way (que também tocava teclados) sendo um dos principais compositores da banda. No blues de John Mayall, uma das formações de seus Bluesbreakers contou com o violino de Henry Lowther em 1968. Virando a década, em 1970, o Gentle Giant trazia uma chocante esquadra instrumental, com os irmãos Shulman se revezando entre vários instrumentos, dentre os quais o violino, tocado com muita ênfase por Ray Shulman, como atesta a faixa Funny Ways, do disco de estréia. Outro grupo bastante importante para difundir a presença do violino nos territórios rockeiros foi a Electric Light Orchestra. Já no The Move, Roy Wood trazia o som do violoncello a tiracolo, mas a formação do ELO trazia um naipe inteiro de cellos e a inclusão do violino de Steve Woolam. Grupos importantes como o Caravan, o Soft Machine e o Hawkwind também tiveram violinistas ao longo de suas diversas formações e o King Crimson teve a marcante passagem de David Cross entre 1974 e 1975, com a qual dois dos mais importantes discos da banda foram lançados – Larks Tongues in Aspic e Starless and Bible Back.

 

 

A partir de 1971, dezenas de bandas associadas ao rock progressivo que incorporaram o violino podem ser apontadas. Na Itália, o PFM tinha a presença eventual do violino tocado pelo vocalista Mauro Pagani; na Alemanha o Pell Mell e o Amon Duul II, que teve violinos em diversas fases, na França o Gong e o Magma, que teve violinos entre 1975 e 1976 executados por Didier Lockwood. No Canadá, o grupo FM contava com o violino de Nash the Slash e na Espanha a banda Los Canários também contava com o instrumento em sua formação. Já no Brasil, o grupo mineiro Saecula Saeculorum tinha em seus quadros um jovem Marcus Vianna, que ficaria famoso nos anos 80 e 90 liderando com seu violino o grupo Sagrado Coração da Terra. Vale destacar o grupo multinacional Esperanto (Rock Orchestra) formado na Bélgica e que contava com dois violinistas – Raymond Vincent e Godfrey Salmon.

 

Na década de 70, diversos violinistas solo tiveram notoriedade e gravaram diversos discos bem sucedidos em vendagem e crítica. Darryl Way teve uma sólida carreira solo após sua saída do Curved Air, gravando três discos com a banda. Seu substituto no Curved Air foi outro violinista célebre – Eddie Jobson, que acumulava enorme talento também aos teclados e fez fama no fim dos anos 70 com o supergrupo UK. Jobson também integrou formações do Roxy Music e do Jethro Tull na década de 80. Jean Luc-Ponty, após gravar discos experimentais como Jean Luc-Ponty Experience e participar de diversos trabalhos de Frank Zappa, encontrou a trilha do fusion/jazz-rock e lançou uma sequência de ótimos discos, como Aurora, Imaginary Voyage, Enigmatic Ocean e Cosmic Messenger. O Kansas, grupo formado nos EUA em 1973, lançou em 1977 o grande hit do rock com violino – a balada acústica Dust in the Wind, que estourou em todo o mundo, com o violino executado pelo músico Robby Steinhardt. No fim dos 70’s, o Dixie Dregs nos EUA mantinha acessa a presença do violino associada ao rock progressivo/jazz-rock.

Nas décadas seguintes, a presença do violino foi ficando cada vez mais escassa no rock, apesar de manter-se presente em arranjos orquestrais de toda a ordem para diversos estilos musicais. Participações eventuais do violino também continuam acontecendo, mas são pouquíssimos exemplos de bandas que possuem violino como instrumento fixo de line-up. Contudo, destaca-se no Brasil dos anos 90 e seguintes o violino de Kleber Vogel nos grupos Quaterna Réquiem e Kaizen.


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