O formato trio exerce um certo fascínio nos fãs de rock. Dentro da vertente progressiva naturalmente ocorre o mesmo fenômeno e isto pode estar relacionado ao desafio que é produzir uma música impactante com tão poucos elementos humanos. Trios de jazz começaram a se popularizar nos anos 1950, com a formação bateria-baixo acústico-piano e um pouco mais adiante com a formação bateria-orgão Hammond-guitarra. No rock o formato se popularizou a partir de 1965-1966, com os avanços na tecnologia dos amplificadores. Os mais icônicos difusores do formato foram o Cream (Eric Clapton-Jack Bruce-Ginger Baker) e a Jimi Hendrix Experience. Dezenas de trios surgiram na esteira destes dois fenomenais grupos, mas um deles destoava da hegemonia das guitarras e trazia o rock feito sem guitarra – The Nice. Capitaneados por um já genial Keith Emerson e dispensando o guitarrista David O’List após o lançamento de seu primeiro álbum, o Nice inovou com a formação bateria-baixo-teclados. O próprio Keith Emerson chacoalharia novamente o mundo musical ao criar outro trio ainda mais ambicioso – Emerson, Lake & Palmer. Criou-se então um precedente para os trios no universo do nascente rock progressivo e destacamos alguns destes logo abaixo:

Trace

Formado pelo tecladista Rick Van der Linden (egresso do Ekseption) e pelo baterista Pierre Van der Linder (egresso do Focus), o trio holandês Trace lançou 3 álbuns em sua curta trajetória. Rick e Pierre eram primos de segundo grau e já tinham renome no cenário. O time foi completado com o baixista Jaap van Eik (da banda de blues Cuby + Blizzards), um dos mais competentes e requisitados na Holanda e a alcunha de supergrupo frequentemente era usada para retratá-los. Em pouco tempo a banda se entrosa e lança o primeiro compacto pelo selo Philips em maio de 1974, com o primeiro álbum surgindo em novembro de 1974, autointulado, trazendo grande evidência para o orgão Hammond de Rick Van der Linden e seus cruzamentos com o mellotron e o sintetizador Moog. O primeiro álbum se alterna entre releituras de música erudita (com citações a Bach e Grieg) e composições próprias repletas de energia. Uma tour européia é realizada com bastante sucesso e na Inglaterra a banda abre vários shows para o Curved Air. Logo em seguida, Pierre Van der Linden abandona o barco e é substituído pelo baterista inglês Ian Mosley, que futuramente integraria o Marillion. O baterista foi apresentado por Darryl Way, violonista do Curved Air, com que Ian já tinha tocado em seu trabalho solo. Já em janeiro de 1975, um novo álbum do Trace aparece na praça. Batizado como Birds, conta com a luxuosa participação de Darryl Way no violino, com destaque para a suntuosa suíte “King Bird”, que ocupava todo o lado B do álbum. A despeito de ter sido bem recebido pelo público e pela crítica, o ambiente da banda começou a se deteriorar porque Rick Van der Linden preferia uma rotina menos intensa de shows, o que se chocava com as pretensões profissionais de Eik e Mosley. Um novo álbum, The White Ladies, é lançado em 1976, mas a banda encerra as atividades logo em seguida.

Triumvirat

Vindo da Alemanha, o Triumvirat até hoje é alvo de discussões entre os fãs sobre qual o tamanho da influência do ELP no som do grupo. Formado em Cologne pelo tecladista Jürgen Fritz e pelo baterista Hans Bathelt, o grupo fez releituras do Nice e do ELP durante o início de suas atividades e, aos poucos, foi desenvolvendo sua própria música. Completava o trio o baixista e vocalista Hans Pape, que ficou na banda até 1974. Após gravar em fita um pequeno e consistente repertório próprio, a banda é contratada pela filial alemã da EMI. Os dois primeiros álbuns atingiram considerável sucesso comercial – Mediterranean Tales (1972) e o conceitual Illusions on a Double Dimple (1974). O segundo álbum fez a banda excursionar nos EUA junto com o Fleetwood Mac e consolidar sua reputação fora da Europa. O segundo álbum já contava com o ingresso de Helmut Koellen na formação, substituindo Hans Pape no baixo e no vocal. No ano seguinte a banda lançou Spartacus, que foi um grande sucesso e se tornou um dos mais reconhecidos álbuns do progressivo setentista. Pouco tempo após Spartacus, Helmut Koellen sai da banda para começar uma carreira solo. Os lançamentos seguintes (Old Loves Die Hard e Pompeii) são marcados por um entra-e-sai na banda, capitaneados por Juergen Fritz. Ambos não atingem a mesma vendagem que os lançamentos anteriores e a banda migra para um som mais acessível a partir de A La Carte, de 1978, até encerrar as atividades em 1980 após o álbum Russian Rollete. A trajetória da banda também é marcada pela trágica morte de Helmut Kollen, que faleceu intoxicado por monóxido de carbono após ficar horas ouvindo fitas com seu carro ligado na garagem, em 1977, com apenas 27 anos. Seu primeiro álbum solo foi lançado apenas após sua morte.

SBB

O maior nome do rock na Polônia surgiu a partir do baixista e pianista Józef Skrzek. Józef havia tocado na banda Breakout e criado uma reputação positiva no rock local. Com a confiança adquirida após a passagem pelo Breakout, em 1971 Józef Skrzek decide se lançar na criação de sua própria banda, pensada para o formato trio. Seus planos começaram a dar certo quando ele conheceu um jovem guitarrista de apenas 17 anos, chamado Apostolis Anthimos. Apostolis trouxe a tira-colo o baterista Jerzy Piotrowski e o trio se batiza com Silesian Blues Band, homenageando a região da Polônia onde os três residiam. Entre 1972 e 1973 o trio gravou 4 álbuns com o tecladista e vocalista Czeslaw Niemen e obteve relativo sucesso na Polônia e arredores. Em 1973 o grupo desfaz a parceria com Niemen e rebatiza-se, passando a se chamar SBB (uma sigla para as palavras “Busque, Quebre e Construa” escritas em polonês). Em fevereiro de 1974 ocorre a estreia do SBB e dois shows realizados em abril em Varsóvia se transformam no primeiro álbum do SBB. Com uma qualidade de som surpreendente, o álbum mostra uma performance vigorossísima dos três músicos e todo o virtuosismo de Józef Skrzek. O trio se apresenta por quase toda a extensão da Europa oriental com bastante sucesso e no ano seguinte, Józef abraça os sintetizadores, o que dá uma guinada ainda mais intensa ao rock progressivo no som do SBB. Foram 3 formidáveis álbuns em sequência – Nowy Horizon, Pamiec e Ze Slovem Biegne do Ciebe, nos quais a banda se consolidou como um trio virtuoso e bastante original, tendo como marca registrada as longas suítes, o baixo distorcido e sintetizadores a rodo. Em 1978 a banda se estabelece na Alemanha e passa a ter uma carreira dividida entre uma vertente mais comercial, apostando em canções mais curtas, cantadas em inglês e repletas de groove, e outra vertente mais progressiva e cantada em polonês, para o público já cativo da banda. A banda segue em ritmo intenso e mantendo o mesmo núcleo inicial até 1981. A despeito dos shows ao longo dos anos seguintes, novos álbuns surgiram apenas nos anos 2000, com lançamento consistentes e de grande qualidade, como é o caso do álbum auto intitulado de 2012. O grupo segue na ativa.

Refugee

A curta trajetória do Refugee está associada ao tecladista suíço Patrick Moraz. Moraz era um prodígio no piano desde a tenra infância e passou a adolescência inteira sendo laureado por premiações em concertos relacionados ao jazz. O jovem Moraz rodou a Europa se apresentando com diversos grupos, deixando platéias boquiabertas com seu virtuosismo ao piano. Em 1969, após passar por diversas intempéries por conta de vistos de trabalho, conseguiu estabelecer-se definitivamente em Londres. Já convertido para o mundo dos teclados elétricos e eletrônicos, Patrick Moraz após longo processo de seleção de músicos, forma a banda Mainhorse, um grupo cheio de potencial mas que ficou apenas no primeiro álbum, lançado em 1971. Nos dois anos seguintes, Moraz trabalhou em trilhas sonoras para filmes. No fim de 1973, ele retornou para a Suíça e de lá foi contatado por Lee Jackson, ex-baixista do The Nice, para montar uma banda nos moldes do antigo trio com Keith Emerson, também contando com Brian Davidson na bateria. Moraz conheceu a turma do Nice quando tocaram na Suíça em 1969 e voltou para a Inglaterra para formar o trio, batizado como Refugee. A banda tinha uma rotina pesada de ensaios para compor o novo repertório (todo composto por Moraz) e se entrosar. Contando com uma artilharia pesada de teclados (similar a de Rick Wakeman e Keith Emerson), a banda rapidamente despertou a atenção de todo o público e da mídia musical inglesa, com o álbum sendo lançado pela Charisma Label. O álbum atingiu relativo sucesso de vendas no mercado inglês, com a banda excursionando pela Europa para promovê-lo. Repleto de um rock progressivo impactante, fortemente sinfônico e com algumas tintas experimentais, o álbum poderia facilmente colocar a banda entre os gigantes do rock progressivo inglês caso o destino não reservasse a Patrick Moraz a oportunidade de integrar o Yes no ápice de seu sucesso comercial. Com o convite para substituir Rick Wakeman, Patrick apenas cumpriu a agenda que já estava reservada para o Refugee e a parceria com Lee Jackson e Brian Davidson se desfaz prematuramente.

Egg

O trio inglês Egg tem sua ponta de contribuição dentro da evolução do rock progressivo. Formado a partir do desmantelamento da banda Uriel (que lançou um único disco como Arzachel, em 1969), os músicos Dave Stewart (teclados), Mont Campbell (baixo e vocal) e Clive Brooks (bateria) conseguiram um contrato com a Deram, subsidiária da gravadora Decca, para lançar um álbum em 1970. Assim, chegou ao mercado a estréia da banda, autointitulada, marcada por um som de transição entre o rock psicodélico e o nascente rock progressivo, com a presença maciça do órgão Hammond e cruzamentos entre influências jazzistas e sinfônicas tal qual King Crimson e The Nice estavam trilhando na mesma época. O som exploratório do grupo não lhes conferiu um grande sucesso comercial, a despeito de serem figuras freqüentes no underground britânico e em festivais ao ar livre. Em 1971, sai um novo lançamento pela Deram – The Polite Force. Ainda mais experimental, o disco reforça a posição que a banda ocupava no panorama do rock da época, com uma agenda concorrida de shows. O fraco desempenho comercial, contudo, fez com que a banda fosse dispensada da Deram, ainda que houvesse material já gravado para um terceiro álbum. Em julho de 1972 a banda se desfez. Dave Stewart se tornou um dos mais requisitados tecladistas da Inglaterra e em 1974, com a formação do Hatfield and the North, ele descolou um acordo com seu então selo, a Virgin, para lançar o material que o Egg havia gravado ainda em 1972. Esse disco póstumo sairia em 1974, sob o nome de The Civil Surface, encerrando a discografia do Egg.


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